Escuta o teu (amigo) Medo
Um estudo divulgado pela Imaginarium no final do ano de 2017 revela que 80,4% dos pais portugueses se mostraram muito preocupados com a felicidade futura dos filhos… Traduzindo: a maioria dos pais portugueses têm medo de que os filhos não sejam felizes. Será que nós Pais temos consciência disso? Será que em algum momento trabalhamos no sentido de aproveitar esse medo a nosso favor? Como? Perguntas tu. Sim, é isso mesmo: Escuta o teu (amigo) Medo.
A ansiedade em relação ao medo
O que poderá impactar a felicidade dos nossos filhos? Podem, de resto ser muitos fenómenos, mesmo porque a felicidade não é um sentimento, mas sim um processo. Ninguém é totalmente feliz ou infeliz. A felicidade é um estado decorrente de uma circunstância, e não a circunstância em si.
Voltando à questão: O que poderá impactar a felicidade dos nossos filhos? Eu lembro-me de algumas circunstâncias que me assolavam (e que de vez em quando ainda aparecem) tais como, não estarmos presentes o tempo suficiente com eles, ou termos dificuldade em conciliar o trabalho com a vida pessoal, a eventualidade das suas (“más”) escolhas, o poderem estar muito tempo na escola, a eventual dificuldade na sua seletividade em relação aos outros; ou por outro lado, coisas (ainda) “mais graves” como o poderem vir a ser agressores ou agredidos, terem uma doença, podermos vir a desenvolver uma “má” relação eles, ou ainda, não conseguirmos, por algum motivo, ajudá-los.
As crianças por seu lado, têm medo de monstros, de sombras, do escuro, de animais, da morte, entre outras coisas…
E sabes uma coisa? Isso é normal. É NORMAL ter medo. A saber, TODOS os seres humanos são desenhados para terem medo (e para muitas outras coisas maravilhosamente e igualmente importantes).
O que te diz o medo? Já alguma pensaste nisso? – O que pode querer dizer este sentimento (intrincado)?
Medo: Uma ameaça Real ou Imaginária
Primordialmente, o medo diz-nos que há uma ameaça real ou imaginária que PRECISA de ser ATENDIDA.
O que podes fazer? Escutá-la (a ameaça real ou imaginária) e perceber o que te está a tentar dizer. E o melhor é portanto, escutá-la o quanto antes, porque virá de novo, e de novo, e de novo, infinitas vezes, sob diferentes formas.
Ao mesmo tempo pergunto-te: Quantas vezes te sentiste assustado, preocupado, ansioso, nervoso, sufocado, stressado, ou em pleno estado de alerta? Se não atenderes o teu medo, ele vai bater-te à porta com cada vez mais força…! Escutá-lo, aceitá-lo e “conversar” com ele ajuda-nos a perceber como podemos viver com ele, dar-lhe a mão e a caminhar, sendo ainda verdade que podes (e deves querer) GANHAR (muito) com ele.
É fácil? Não. Mas, é possível e requer de uma coisa chamada treino (também não se ganha resistência física por fazer uma única corrida de 100 metros, se queres ganhar resistência tens que correr um bocadinho mais e muitas vezes ;)).
Como podes ATENDER o Medo?
Para pais e filhos o primeiro passo passa por escutar o seu medo, depois perceber porque é que nos bate à porta e depois acolhê-lo como seu (vou-te deixar um material no final para o poderes descarregar e trabalhares com ele). Sim, é verdade, ele é teu e é – para mim “indiferente” se o aceitas, gostas dele ou queres esse medo, porque – ele pertence-te. É o TEU medo.
Como tu és adulto podes e deves trabalhá-lo individualmente, o teu filho como é uma criança e ainda não tem todas as faculdades desenvolvidas precisa da tua ajuda. Sim, porque como te disse antes, o teu filho também tem medos, embora não sejam os teus, tem medos. E, como é um ser humano como tu, os seus medos são tão importantes como os teus… e então, a primeira coisa a fazer quando os nossos filhos têm medo, é aceitar o medo da criança sem ridicularizá-la, diminui-la ou envergonhá-la por isso. E tu pensas: – “Bah…! Medo de monstros… eles não existem…”
Experimenta pensar assim por segundos, a tua criança tem medo e muitas vezes não percebe sequer porque o tem, nem exactamente o que é e porque o sente. Já tiveste essa experiência? Será que gostarias de ter um medo, não soubesses porque o tinhas e te ridicularizassem, diminuíssem ou te envergonhassem, por isso? A resposta é óbvia: – Não!
Não precisamos de ir mais longe, pois houve pessoas que o passaram (e/ou ainda o passam) com o COVID-19, ou outras ameaças… e não é agradável, não ajuda, não aproxima as pessoas e neste caso em concreto, também não mantém próximos pais e filhos – lembra-te de que acima de tudo, nós pais, queremos que os nossos filhos experimentem muitas vezes a felicidade; que nós contribuímos para esse processo e que a nossa proximidade e compreensão também.
A boa notícia é que se pode fazer melhor 🙂 e sem “muito” esforço.
Aceita que “dói menos”…
Tenho uma filha com oito anos que tem medo do escuro, que até há bem pouco tempo dormia comigo e com o meu marido. Entretanto, hoje dorme no quarto dela de luz acesa e quando acorda de noite vamos com ela ao seu quarto. No início desta aventura, de a estimular a dormir na cama dela, acordava 3 a 5 vezes por noite, hoje acorda 1 a 2 vezes por noite… e vai chegar o dia em que vai deixar de acordar de noite, ou acordando irá de volta para a sua cama (como já aconteceu 2 vezes… Yeah!).
Surpreendentemente, (pelo menos para mim foi) o medo reside numa parte do cérebro que não pode ser gerido somente com inputs racionais, tem que ser acolhido de forma a que o teu sistema límbico o perceba (se quiseres saber mais sobre isto vê aqui). É uma criança e não é porque o fez duas vezes que temos que impor (e criar a expectativa de) que o faça todos os dias… Ao princípio, custa? Ah se não custa… sair do quentinho para a acompanhar. Mas, tu é que escolhes a mãe ou o pai que queres SER.
Sob o mesmo ponto de vista, o que mudaria se verdadeiramente aceitasses que o teu filho tem um medo, que para ele é real? Faria sentido convidá-lo-o a que o partilhasse contigo, que o desenhasse, que o descrevesse, que te dissesse onde o sente fisicamente…? Talvez. Provavelmente, este processo o fosse ajudar a lidar consigo mesmo e a aproximar-se de ti (e possivelmente, a sentir-se um pouco mais feliz naquele momento por se sentir compreendido).
Trabalha o medo com o teu filho
Os desenhos são uma forma “gira” de trabalhares isso com os teus filhos. Pede-lhes que desenhem o seu medo – que lhe dêem uma forma, que lhe atribuam uma cor. E depois, se o seu medo não for uma ameaça REAL à sua integridade, ajuda a criança a “brincar com o medo”. Desafia-a a imaginar esse medo maior, mais pequeno, com mais ou menos brilho, mais ou menos distância. Diz-lhe que lhe junte uma música que ele goste, um cheiro… que imagine um lugar onde pudesse estar a salvo desse medo, e pede-lhe que nesse momento respire fundo várias vezes e pausadamente… imaginando esse lugar onde esse medo não pudesse entrar… Fala-lhe com calma e naturalmente e o mais provável é que medo alivie. Pergunta-lhe no final, como se sente depois de fazer esse exercício contigo. Repete-o se achares bem, noutro momento.
Lembra-te que a emoção do medo, é só isso, a EMOÇÃO gerada principalmente pelos teus pensamentos que distorcem, omitem e generalizam informação (sobre isto terei que falar noutra altura).
Os TEUS medos
Quanto aos teus medos, tanto quanto conseguires sugiro que separes os racionais dos irracionais. Aqueles que são reais – como por exemplo o COVID-19 – dos irracionais, como por exemplo, o medo do teu filho poder vir a não “ser” feliz, de não conseguires ser bom pai ou mãe, de não estares à altura, de não seres capaz, etc… A partir daí devemos escutar o nosso medo, perceber o que nos quer verdadeiramente dizer, aceitá-lo e depois agir em conformidade. O que podes fazer para que esse medo não se transforme numa realidade?
Tenta reconhecer o TEU sabotador interno, aquela voz interna que te diz: – “Tu não és bom o suficiente”, mesmo quando em certos casos já o tenhas feito muitas e muitas vezes… e fazendo-te sentir por um lado, um impostor ou impostora e por outro, fazendo-te sentir que te falta alguma coisa, relacionando o teu sentir com a carência… Quando a pessoa tem o medo e se identifica com essa voz e acredita nela começa, desde logo, a procrastinar ou a adiar e a evitar seguir em frente com as coisas… escusando-se da sua responsabilidade.
Em outras palavras, não acredites em tudo o que te diz a tua cabeça (ou a tua voz interna), já que, nem tudo o que ela te diz é real. Em suma, aprende a separar o que é real e baseado em factos, do que não é real e é fruto da tua imaginação, e gere-os. Nesse sentido, procura opções e gere esses medos. Nos materiais que deixei para ti e para a tua família mais abaixo, encontrarás o mapa do medo, a partir do qual poderás começar a estabelecer uma conversa com o teu medo, posto que, esse é um passo muito importante. Para eles deixo um exercício semelhante, mas adaptado a crianças.
Por fim, dizer-te que “85% das nossas preocupações não se concretizam” (Robert L. Leahy, 2016)*
Encontra mais vezes a felicidade em ti e na tua família! ♥
#beyounique
*Livro: Leahy (2016). Como lidar com as preocupações: Sete passos para impedir que elas paralisem você. Artmed Editora. ISBN: 9788536309170.
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